sábado, 23 de outubro de 2010

Um milagre no século XXI

Já há dias temos vontade de escrever sobre o resgate dos mineiros do Chile. Eu e minha dona ficamos muito impressionadas com esse acontecimento, desde o acidente na mina, de 5 de agosto até o resgate, em 13 de outubro. Os primeiros dias foram terríveis, cheios de dúvidas e negativismo, ninguém mais acreditando ser possível encontrar algum mineiro vivo, até o dia 22 de agosto, em que uma sonda trouxe à superfície o bilhete escrito em vermelho: 


Esse foi o primeiro milagre, em nossa opinião. Que os 33 mineiros tivessem sobrevivido durante 17 dias sem ver o sol, sem nenhum contato com o mundo, sem saber o que estava sendo feito para encontrá-los, e praticamente sem ter o que comer. Impressionante que ninguém, faminto e desesperado, tivesse roubado a pouca comida que havia. 

Os primeiros prognósticos da equipe de resgate foram desalentadores: o resgate seria feito pouco antes do Natal, devido às dificuldades inerentes à instabilidade do terreno, ao desconhecimento da geologia do local e ao tempo necessário para a abertura de um túnel.  

Mas aí entra em ação o que consideramos o segundo milagre: o da tecnologia e dos humanos habilidosos o suficiente para empregá-la.  A tecnologia que permite que água, comida e remédios sejam enviados aos mineiros por meio de tubos perfurados na rocha. A tecnologia que permite que eles vejam suas famílias, conversem com elas.  A tecnologia que permite a construção de uma cápsula para o resgate. E, finalmente, a tecnologia que antecipa a data do resgate, de fins de dezembro para 13 de outubro. 

O mundo parou nesse dia. Centenas de emissoras de TV do mundo inteiro deixaram de transmitir seus programas usuais e exibiram um dia inteiro de imagens geradas no Chile, o resgate dos 33 mineiros e o retorno à superfície dos socorristas que haviam descido ao interior da mina. Os chilenos acompanharam o resgate em telões colocados nas cidades e comemoraram o resgate como se houvessem vencido uma Copa do Mundo.  

Elogiável desde o início foi a postura do presidente do Chile, Sebastián Piñera. Interrompeu uma visita à Colômbia e retornou ao Chile, onde esteve praticamente acampado junto à mina, com os familiares dos mineiros soterrados. Tomou as providências necessárias, incluindo demissões em altos cargos, para agilizar o processo do resgate. E no dia 13 de outubro esteve ali, presente, para o melhor ou para o pior. Graças à bem sucedida operação de resgate, pôde receber e abraçar os mineiros e os socorristas.

Houve quem criticasse essas atitudes, considerando-as apenas um meio para aumentar a popularidade do presidente. No entanto, o que a televisão do Chile mostrou para o mundo foi um líder que não deixou o local da batalha, que apoiou as famílias e o seu país nessa hora tão difícil, e que se emocionou com o resgate e com a sobrevivência dos 33 mineiros. Um líder que assumiu o governo poucos dias depois de um tremendo terremoto e reconstruiu o país. Um presidente que mostrou o que é liderança, solidariedade e patriotismo no ano em que se comemoram 200 anos de independência do Chile. Não podem ter sido fins eleitoreiros que provocaram esse comportamento de Sebastián Piñera, uma vez que a constituição do Chile não permite a reeleição. 

Comparemos rapidamente: no início do ano, houve terríveis inundações em São Paulo, um bairro ficou dez dias alagado, e nenhuma autoridade apareceu para dar apoio à população nem anunciar alguma medida para solucionar o problema - não compareceu  nem o prefeito de São Paulo, e muito menos o presidente. Houve problemas semelhantes em Angra dos Reis, em São Luís do Paraitinga, e no estado de Alagoas, e novamente se observou a ausência do presidente. 

Mas o espaço para críticas aos nossos políticos é o outro blog. O que queremos registrar aqui é o milagre que nossa geração pôde testemunhar. E também as linhas tortas com que Deus escreve. Na mesma semana em que se deu o resgate no Chile, houve acidentes em minas na Colômbia e na China. Muitos mortos. Por que morreram aqueles, e não morreram estes?

Entre os mineiros soterrados na mina do Chile, estava um único boliviano, que havia sido empregado apenas cinco dias antes. Outro mineiro devia estar de folga no dia 5 de agosto, mas o chefe lhe prometeu pagamento de horas extras e por isso ele estava trabalhando quando houve o desmoronamento. Acaso? Coincidência? Destino? 

A cápsula usada no resgate, hoje em dia exposta em Santiago, diante do Palacio de La Moneda, foi batizada de Fênix, o nome do pássaro mitológico grego, que depois de morto renascia de suas próprias cinzas. Esses 33 homens renasceram. Suas vidas, no entanto, nunca mais serão as mesmas. O acidente lhes trouxe uma notoriedade que nunca mais os abandonará. Já ganharam presentes, casas, vão correr mundo. Livros serão escritos sobre eles, e sem dúvida em breve haverá algum filme sobre eles.  Nem tudo serão flores. Já há brigas pelos direitos autorais da frase "Estamos bien en el refugio, los 33". Por outro lado, também se espera a revisão da legislação referente ao trabalho nas minas. Muito ainda se discutirá sobre as condições de segurança.  Nada disso, no entanto, reduz a emoção ou obscurece o brilho desse milagre em pleno século XXI, em que, como dizia Cher em Feitiço da Lua (Moonstruck, 1987), "There ain't supposed to be miracles any more!"  

Enhorabuena, Chile!

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